Já nos primeiros séculos da Igreja católica, sentiu-se a necessidade da existência de um recipiente ou receptáculo digno para se guardar a “Eucaristia”, ou hóstia, nome dado à partícula da eucaristia após sua consagração.
No início, utilizaram pequenos vasos ou caixas, chamados de arca ou arcula, para guardar as hóstias consagradas que eram reservadas aos doentes e também para os fiéis levarem a Eucaristia para casa, na impossibilidade da participação mais frequente às missas em tempos de perseguição. Na Igreja Primitiva, sacerdotes e leigos, após a comunhão nas celebrações eucarísticas, guardavam a eucaristia nesses sacrários a fim de oferecer aos doentes e a outros que não conseguissem assistir à celebração.
Quando se iniciou a chamada “paz na Igreja”, terminada a perseguição aos cristãos, ficou estabelecida a prática de se manter a Eucaristia sempre nestes recipientes. Quando as condições financeiras eram possíveis, o recipiente era feito geralmente em ouro, com uma pomba dentro normalmente em prata. Foi durante o período barroco, entre os séculos XVII e XVIII, que o tabernáculo junto ao altar-mor começou a se difundir de maneira mais intensa, nos moldes em que ainda são encontrados hoje.
É desse cenário religioso do Vale do Paraíba do século XVIII, mais precisamente da antiga igreja de Aparecida, um belíssimo “Sacrário” que fomos encontrar no acervo do Museu de Arte Sacra de São Paulo. Trata-se de um sacrário com porta, crucifixo e chave de prata lavrada. O trabalho de prata é repuxado e cinzelado na porta e na cruz e fundido e cinzelado no Cristo e na chave. Internamente é folheado a ouro, e o desenho da porta apresenta um ostensório com resplendor “raionado”, com uma base de nuvens. A talha é em estilo Dona Maria I, com volutas, folhas de acanto e festões de flores, com cerca de um metro em madeira entalhada douramento, policromia e prata. Em prata e ouro, sua talha em estilo Dona Maria I reflete o espírito religioso do Século XVIII
Uma peça de encher os olhos. Por isso mesmo, foi destaque na exposição “Crux, Crucis, Crucifixus: o Universo Simbólico da Cruz” que, de 2011 à 2014, foi mostrado não só no próprio Museu de Arte Sacra de São Paulo, mas também no Centro Cultural Banco do Brasil do Rio de Janeiro e no Museu da TAM de São Carlos. O que se pergunta é se não seria uma boa hora de mostrá-lo também em Aparecida, de onde saiu. Já que em outubro de 2017, serão comemorados três séculos do encontro da milagrosa imagem de Nossa Senhora nas águas do Rio Paraíba.
Envoltos em uma áurea de mistério e fé desde os primeiros tempos, os Sacrários voltaram a fascinar católicos do mundo todo graças a um episódio ocorrido nos Estados Unidos na década de 1990. Para ser mais preciso, data de 1995, no último dia da viagem apostólica do papa João Paulo II aos EUA, o episódio que foi documentado pelo Padre Albert Byrne num artigo intitulado “Nature’s Evidence of the Real Presence” (“Uma evidência natural da Presença Real“) a propósito do dogma de fé que guarda Jesus Cristo presente e vivo em carne, sangue, alma e Divindade na Eucaristia.
Segundo o relato, o Santo Padre estava em Baltimore, visitando o seminário de Santa Maria, e quis fazer uma visita não programada à capela do Santíssimo Sacramento. Os responsáveis pela sua segurança percorreram imediatamente todas as dependências do edifício com cães farejadores, daqueles que ajudam a localizar pessoas em desabamentos de prédios e catástrofes naturais, a fim de certificar-se de que não houvesse eventuais indivíduos escondidos no local. Os cães também fizeram o seu trabalho dentro da capela, supostamente vazia. Quando chegaram diante do Sacrário, porém, eles pararam e ficaram olhando fixamente, como procedem quando detectam uma pessoa escondida entre escombros. De olhos fixos no Sacrário, eles cheiravam, grunhiam e se recusavam a sair do local. Para eles, havia ali dentro uma pessoa escondida. Os cães só se retiraram depois de receber ordens dos seus responsáveis. E o Santo Papa pôde, finalmente, se encontrar com aquele que “se abrigava” no Sacrário.
Matéria publicada na JLS Magazine N. 10 – Junho de 2017
